domingo, 27 de janeiro de 2013

Jovens abandonam assentamentos rurais


Oito em cada dez filhos de agricultores trocam o campo pelas cidades.

Programa, que já sofre com falta de financiamento e infraestrura, precisa ser reformulado para evitar êxodo, dizem especialistas
Além da falta de financiamento e infraestrutura, a reforma agrária no país padece com o abandono dos assentamentos pelos jovens, que saem em busca de educação, trabalho e lazer. “A juventude está indo embora, vai para a cidade virar garçom”, admite Alexandre Conceição, coordenador do MST. A Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar calcula que oito entre dez filhos de assentados já abandonaram o campo ou pretendem fazê-lo. O Incra admite o problema e estuda medidas para tentar fixar os jovens à terra.
Em marcha para a cidade
Luta por qualidade de vida, educação, renda e lazer faz jovens abandonarem assentamentos
Flávio Ilha*, Letícia Lins, Odilon Rios* e Roberto Maltchik
Porto Alegre, Tracunhaém (PE), Maceió e Rio
Maria Cromaço da Silva, 50 anos, teve 22 filhos e 13 morreram. Dos nove que restaram, seis aprenderam a viver entre a lona preta do acampamento e o lote no assentamento Nova Canaã, em Tracunhaém, a 48 quilômetros de Recife. Os mais novos têm entre 9 e 16 anos e já avisaram a mãe: vão seguir o caminho de Cássia (24 anos) e Cassiano (18 anos), que decidiram ganhar a vida na cidade.
Assim como Cássia, vendedora em um supermercado de São Paulo; e Cassiano, ajudante de pedreiro em Paulista (PE), milhares de jovens de uma população de cerca de quatro milhões de assentados da reforma agrária no Brasil marcham rumo aos centros urbanos. A luta é por qualidade de vida. E por educação, renda, lazer e poder para decidir o próprio destino.
Não há estatística oficial sobre o êxodo de jovens dos assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas as duas mais expressivas organizações sociais do campo relatam estimativas alarmantes para o futuro da Reforma Agrária. A Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf) estima que oito entre dez filhos de assentamentos já os abandonaram ou pretendem fazê-lo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) crê numa evasão de 60% e faz mobilizações para tentar fixar o jovem na terra. No Rio Grande do Sul, o próprio Incra estima que sete em cada dez descendentes de assentados não permanecem no campo.
- A juventude está indo embora, vai para a cidade virar garçom. E os assentamentos estão ficando envelhecidos – lamenta o coordenador nacional do MST, Alexandre Conceição.
A saga da família Silva, em Tracunhaém, se repete no assentamento vizinho, Ismael Filipe, onde nenhuma das 53 famílias conseguiu acesso ao crédito agrícola do Pronaf Jovem. Ana Paula da Silva Florêncio, de 37 anos, viu as duas filhas mais velhas migrarem. Priscila, que visitava o assentamento na semana passada, concluiu o ensino médio e mudou-se para Recife, onde cuida de uma idosa e tenta juntar dinheiro para fazer um curso que lhe dê novo horizonte. Só voltará para o campo se obtiver diploma de técnico agrícola.
- Há dificuldade demais para os jovens permanecerem aqui. Conheço pelo menos 20 que foram para longe. Querem estudo, vida melhor. Isso aqui seria um excelente lugar para criar os filhos se houvesse oportunidade. Mas, infelizmente, eles começam a ser discriminados ainda pequenos. O Pedro (filho de Priscila) não queria ir mais para a escola porque lá era xingado de “matuto de engenho” ou “sem-terra” – conta a descendente do assentamento.
No RS, abandono de um quarto dos lotes.
Priscila engrossa a fileira de mulheres que deixam o campo. A marcha delas para longe dos assentamentos é maior do que a de jovens homens, relatam os pesquisadores Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília (UnB), e Elisa Guaraná, da Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ), coordenadora de políticas para juventude rural da Secretaria Geral da Presidência da República. Ambos defendem uma reformulação das políticas públicas para atrair o jovem.
- A migração se dá pela falta do tripé educação, renda e lazer. Mas também, pela falta de valorização do trabalho no campo, existe um olhar pejorativo. Além disso, os jovens buscam autonomia. E, no caso das mulheres, elas têm menos espaço no processo de decisão (no assentamento) – explica Elisa.
Os números do Censo do IBGE apontam que, de 2000 a 2010, a população rural diminuiu 6%, enquanto a urbana cresceu 17%. Entre jovens de 15 a 29 anos, houve queda de 9% no número de habitantes, ao passo que, nas cidades, o mesmo grupo etário aumentou 11%. Segundo o Incra, 37,3% da população nos assentamentos têm entre 11 e 30 anos, enquanto 13,7% dos moradores da cidade, entre 21 e 30 anos.
Para o Incra, os dados mostram que o êxodo nos assentamentos segue o ritmo ditado no campo. MST e Fetraf advertem que a falta de medidas urgentes provocará o esvaziamento da força de trabalho. Em pleno 2013, 12% dos assentamentos não têm fonte segura de energia elétrica. Ensino médio, produção com valor agregado, crédito rural e posse de terra para jovens são tão escassos quanto o acesso à internet. Cinema e teatro são um universo distante.
- Estamos assistindo a uma política de extermínio do campesinato e falta estímulo para que jovens permaneçam nos assentamentos. Pernambuco está vivendo um boom na construção civil, e, como o jovem não se viabiliza no campo, desce para o mercado de trabalho que não exige grande qualificação. Nas grandes cidades, passam a viver na periferia em péssimas condições – afirma Plácido Júnior, da Coordenação da Comissão Pastoral da Terra.
Berço do MST, o Rio Grande do Sul também sofre com a migração dos jovens da reforma agrária. Filhos e netos dos primeiros acampados, que conceberam o movimento com a invasão da Fazenda Annoni (85), estão indo para zonas urbanas e deixando para trás áreas rurais que deveriam ser ocupadas para a produção de alimentos. De acordo com as estatísticas do Incra, das 16 mil famílias que receberam lotes até o final de 2011, 4 mil (25%) desistiram da terra.
Enquanto o MST prepara, para fevereiro, um seminário estadual cujo objetivo é reunir 150 filhos de agricultores para discutir como permanecer no campo, a família de José Danir e de Maria de Lourdes, no assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita, transformou a área de plantio do lote em um condomínio de casas para os filhos.
Os oito filhos do casal trabalham ou estudam na cidade, a oito quilômetros do assentamento, e nunca se dedicaram à terra. Aos 62 anos e aposentado pelo INSS, Danir produz grãos e algumas hortaliças para consumo próprio. Não há comércio da produção. A renda do agricultor é complementada pelo arrendamento de parte da área para reflorestamento, uma prática proibida pelo Incra.
- Eu gostaria que eles (filhos) estivessem aqui, trabalhando comigo, mas não há incentivo. O serviço é duro, é preciso persistência para aguentar – diz o agricultor aposentado.
O sonho: seguir os passos do ministro do STF
Adalberto Martins, coordenador da Cooceargs (Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul), diz que o fenômeno do êxodo de jovens é mais visível nos conglomerados rurais mais antigos, onde os filhos ou netos de camponeses estão chegando à idade produtiva.
- A maioria busca atividade assalariada nas cidades porque a terra não dá para todo mundo. Os lotes foram demarcados para sustentar uma família apenas, então, é preciso buscar alternativas. É um fenômeno que atinge não só os assentamentos, mas também a agricultura familiar – reconhece o dirigente.
- O apelo urbano é muito forte – afirma o superintendente substituto do órgão no estado, Francisco Emílio Lemos.
Em Alagoas, Alan Ângelo Ferreira tem 20 anos e um sonho: ser ministro do STF, como o ministro Joaquim Barbosa. O pai queria que ele trabalhasse na roça ou estudasse cursos em áreas agrárias. Entrou em uma escola agrícola na cidade de Barreiros, vizinha a Maragogi. Alan fez Teologia, mas também não se encontrou. Seu caminho foi traçado depois que viu na TV um homem negro, filho de empregada doméstica, sentar pela primeira vez na cadeira de ministro do Supremo:
- Por isso, minha decisão não muda: serei ministro do STF. O caminho é longo, mas a disposição é muita.
Ele passou no vestibular de Direito em uma faculdade privada em Maceió. Virou vendedor para cobrir os custos da viagem e da faculdade. Agora, no assentamento de Maragogi, o esforço da família é para ajudá-lo. Ele promete retribuir, mas fora da roça:
- Não quero voltar ao assentamento. Quero ajudar minha família.
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Fonte: O Globo

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