terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Uma informação, por favor.*

Quando eu era criança, bem novinho, meu pai comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança. Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na cômoda da sala. Eu era muito pequeno para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado enquanto minha mãe falava com alguém.
Então, um dia descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era "Uma informação, por favor", e não havia nada que ela não soubesse. "Uma informação, por favor" poderia fornecer qualquer número de telefone e atá a hora certa.
Minha primeira experiência com esse gênio-da-garrafa veio num dia em que minha mãe estava fora, na casa de um vizinho. Eu estava na garagem mexendo na caixa de ferramentas quando bati em meu dedo com um martelo. A dor era terrível, mas não havia motivo para chorar uma vez que não tinha ninguém em casa para me oferecer a sua simpatia.
Eu andava pela casa, chupando o dedo dolorido até que pensei: o telefone!
Rapidamente fui até o porão, peguei uma pequena escada que coloquei em frente à cômoda da sala. Subi a escada, tirei o fone do gancho e segurei contra o ouvido.
Alguém atendeu e eu disse:
-Uma informação, por favor.
Ouvi uns dois ou três cliques e uma voz suave e nítida falou em meu ouvido:
-Informações.
-Eu machuquei meu dedo... - disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que eu tinha audiência.
-A sua mãe não está em casa? - ela perguntou.
-Não tem ninguém aqui... - eu soluçava.
-Está sangrando?
-Não - respondi - eu machuquei o dedo com o martelo, mas tá doendo...
-Você consegue abrir o congelador? - ela perguntou.
Eu respondi que sim.
-Então pegue um cubo de gelo e passe no seu dedo - disse a voz.
Depois daquele dia, eu ligava para "Uma informação, por favor" por qualquer motivo.
Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia e me ensinou onde ficava a Philadelphia. Ela me ajudou com os exercícios de matemática. Ela me ensinou que o pequeno esquilo que eu trouxe do bosque deveria comer nozes e frutinhas. Então, uma dia, Petey, meu canário, morreu.. Eu liguei para "Uma informação, por favor" e contei o ocorrido. Ela escutou e começou a falar aquelas coisas que se dizem para uma criança que está crescendo. Mas eu estava inconsolável. Eu perguntava:
-Por que é que os passarinhos cantam tão lindamente e trazem tanta alegria pra gente para, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?
Ela deve ter compreendido a minha preocupação, porque acrescentou mansamente:
-Paul, sempre lembre que existem outros mundos onde a gente pode cantar também...
De alguma maneira, depois disso eu me senti melhor. No outro dia, lá estava eu de novo.
-Informações - disse a voz já tão familiar.
-Você sabe como se escreve "exceção"?
Tudo isso aconteceu na minha cidade natal ao norte do Pacífico. Quando eu tinha nove anos nós nos mudamos para Boston. Eu sentia muita falta da minha amiga. "Uma informação, por favor" pertencia aquele velho aparelho telefônico preto e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho que ficava na nova cômoda na nova sala. Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saiam da minha memória. Freqüentemente, em momentos de dúvidas ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo.
Hoje eu entendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder tempo atendendo as ligações de um molequinho. Alguns anos depois, quando eu estava indo para a faculdade, meu avião teve uma escala em Seattle. Eu teria mais ou menos meia hora entre os dois vôos. Falei ao telefone com minha irmã, que morava lá, por quinze minutos.
Então, sem mesmo sentir que estava fazendo isso, disquei o número da operadora daquela minha cidade natal e pedi:
-Uma informação, por favor.
Como num milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem, dizendo:
-Informações.
Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando:
-Você sabe como se escreve exceção?
Houve uma longa pausa.
Então veio uma resposta suave:
-Eu acho que o seu dedo já melhorou, Paul.
Eu ri:
-Então é você mesma!
Eu disse:
-Você não imagina como era importante pra mim aquele tempo.
-Eu imagino - ela disse - e você não sabe o quanto significava pra mim aquelas ligações. Eu não tenho filhos e ficava esperando todos os dias que você ligasse.
Eu contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la quando fosse encontar a minha irmã.
-É claro! - ela respondeu - venha até aqui e chame pela Sally.
Três meses depois eu fui a Seattle visitar minha irmã. Quando liguei uma voz diferente respondeu:
-Informações.
Eu pedi para chamar Sally.
-Você é amigo dela? - a voz perguntou.
-Sou um velho amigo. O meu nome é Paul.
-Eu sinto muito, mas a Sally estava trabalhando aqui apenas meio período porque estava doente. Infelizmente ela morreu há cinco semanas.
Antes que eu pudesse desligar, a voz perguntou:
-Espere um pouco. Você disse que o seu nome é Paul?
-Sim.
-A Sally deixou uma mensagem para você. Ela escreveu e pediu para eu guardar caso você ligasse. Eu vou ler para você.
A mensagem dizia:
"Diga a ele que eu ainda acredito que existem outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender."
Eu agradeci e desliguei. Eu entendi...
NUNCA SUBESTIME A "MARCA" QUE VOCÊ DEIXA NAS PESSOAS!
__________________
Autor desconhecido

sábado, 25 de dezembro de 2010

Pense nisso:

"Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando os meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros." (Paulo Freire - Pedagogia da indignação)

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O Espírito do Natal

Numa das ruas mais quietas do bairro, quase encostado à histórica ponte, tinha um casebre onde morava o velho Quaresma.
Ele costumava sair de madrugada empurrando uma carroça que ao longo do caminho enchia de papel velho. Voltava para casa por volta do meio-dia após vender sua carga ao depósito da fábrica de celulose.
Ninguém o via mais até o dia seguinte e isso constituía um grande mistério, especialmente para as crianças. Algumas pensavam até que ele não era desse mundo.
No fundo do casebre havia uma pequena horta, escondida atrás de um alto muro gretado. Lá o velho Quaresma plantava legumes e hortaliças, lá olhava crescer os cachos de bananas, as primeiras laranjas, as folhas de alface, os tomates. Lá ele vivia sua imensa solidão.
Ninguém visitava o velho Quaresma, ninguém falava com ele. Dir-se-ia que fazia parte dos muros gretados, das janelas e portas encardidas pela poeira dos anos. Mais que uma pessoa ele era uma lenda representando o fim lento das coisas.
O jovem carteiro que entregava correspondência naquele bairro, não lembrava de ter entregue jamais um cartão de Aniversário ou de Boas Festas para ele. Será que o velho Quaresma tinha ultrapassado qualquer possibilidade de relacionamento humano?
O Natal estava chegando e trazendo em seu bojo a mensagem de paz e fraternidade entre os homens. O carteiro vivia assoberbado de trabalho com sua bolsa de couro repleta de cartas e cartões. Dois dias antes da Festa, após uma copiosa entrega, parou no limiar da ponte olhando a porta fechada do casebre. Ele sabia que o Quaresma estava lá dentro.
O carteiro tinha muita fantasia e imaginava o velho sentado numa banqueta ao lado da morte.
Alguns meninos e meninas passaram pedalando e o eco de seus gritos e risadas pareciam esbarrar contra o muro gretado do casebre. O carteiro, afanosamente, procurou entre as cartas que tinha ainda na bolsa. Quem sabe, no fundo poderia encontrar um cartão, tão pequeno ao ponto de ter escapado à sua atenção. Um cartão endereçado ao velho Quaresma. Mas não havia.
Então um pensamento fulmíneo atravessou-lhe a mente. Rápido, montou em sua bicicleta, acabou o resto da entrega e foi para casa.
Aí preparou um cartão de Natal enfeitado com gránulos prateados, escreveu no envelope o endereço e voltou para a rua onde o velho morava. Bateu de porta em porta pedindo a todos os meninos que encontrava para assinar o cartão. - "Vamos lembrar o velho Quaresma" - dizia o carteiro - "o Natal vem para ele também".
Recolheu cinqüenta assinaturas.
Mais tarde, aproximou-se do casebre, jogou a carta debaixo da porta e sumiu.
Quando o velho Quaresma viu aquele retângulo branco no chão, ficou surpreso: Seria talvez uma burla? Um gracejo de mal gosto?
Cautelosamente apanhou o envelope e, após abrí-lo, sentiu uma onda de calor subir em sua face emperdenida. O cartão dizia assim: "Para o mais velho amigo da cidade, os votos celestes de amor e paz de todos aqueles que em silêncio te amam".
Embaixo, as cinqüenta assinaturas de meninos e meninas transformavam aquele humilde cartão numa página de glória.
O velho Quaresma apoiou-se à parede e chorou silenciosamente. Pela primeira vez deu-se conta que não morava numa região desolada, repleta de papel velho, mas na terra dos homens. Agora precisava preencher aquele grande silêncio que durava há muitos anos! Por isso retirou de uma gaveta suas pequenas economias e saiu às pressas de casa.
Os transeuntes ficaram admirados em ver o velho Quaresma andar até o supermercado naquela hora insólita.
No dia de Natal algo inusitado aconteceu no casebre: A calçada estava bem varrida, as janelas e as portas escancaradas. Um galho de laranjeira, erguido num caixote no meio da casa, parecia uma verdadeira árvore de Natal, com velinhas e enfeites de papel colorido. E, grande maravilha, o velho Quaresma de camisa limpa e barba feita, distribuindo bombons e bichinhos de plásticos a todas as crianças.
Muita gente juntou-se na frente do casebre..Houve abraços e salvas de palmas. O jovem carteiro, apoiado ao anteparo da ponte, sentiu-se gratificado e feliz: afinal, ninguém pode viver para si mesmo.
O espírito do Natal, como o som de uma flauta, expandía-se em volta do casebre e tomava conta do bairro. Jesus pequenino renascia outra vez para todos.
_______________
Extraído do Jornal Diário de Natal - edição de 22 de dezembro de 1991

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Gentílico campestrense (por Joel dos Anjos)

Viajo em ti, Campestre,
para te reencontrar.
Refaço os teus caminhos
para redescobrir os teus sonhos
guardados em casa alpendrada*
quando eras ainda semente,
esboço, vaga promessa...
Viajo em ti, Campestre,
e me reencontro.
Refaço os teus caminhos
e me redescubro
porque somos homem e terra
e somos um só.
Temos uma só alma,
somos dotados da mesma vontade,
dos mesmos sonhos,
dos mesmos ideais.
O que te engrandece me faz maior,
o que te impulsiona
também me preenche de estímulo,
o que te eterniza
faz de mim imortal.
Viajo em ti, Campestre,
incessante viajor
a recompor a tua História.
Venho de muito longe:
- Sou José Antônio**
audaz pioneiro.
À margem do teu rio
ergui minha morada;
mas também sou muitos:
andante, peregrino, hóspede de Fisa,***
poeta do povo a cantar a vida.
Ah, como esta hora é passada!
Longínqua paisagem
guardiã do tempo e da memória.
Viajo em ti, Campestre!
Busco não um motivo para amar-te,
mas um modo de dizer-te;
dentro de mim toda a ânsia
de um filho ausente:
todas as minhas horas
são para sonhar-te.
Pertenço-te!
Sois vós o berço e o lar;
sois vós o trabalho e o pão;
sois vós a terra, a semente e o fruto;
sois vós o sonho e a realização;
sois vós o refúgio na renúncia;
sois vós o porto
onde se abrigam os abstratos
navios da minha infância.
Vós, eternamente vós
direção constante do meu destino.
_________________
* Uma casa alpendrada, primeira de São José do Campestre, deu orígem a atual Rua José Antônio.
**José Antônio foi o pioneiro. Sua propriedade, denominada Campestre, situada à margem do Rio Jacu, deu orígem ao município de São José do Campestre.
***O hotel de Fisa Amador, primeiro do povoado, recebia compradores de gado, comerciantes e também poetas cantadores que vinham para a feirinha local.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O pensamento e o pensador (por Joel dos Anjos)

"Não se pode falar de educação sem amor." - Paulo Freire -
Algumas frases marcam. Muitos políticos se tornaram célebres pelas suas frases. Quem não se lembra do Juscelino Kubitschek e a sua famosa frase "O Brasil vai crescer cinqüenta anos em cinco"? Juscelino falou com a autoridade de quem sabia o que estava propondo ao país e a sua gente. Não foi uma frase solta ao acaso, desprovida de intencionalidade e compromisso.
Lembro-me que o último general-presidente João Baptista Figueiredo disse preferir "o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo". Uma frase que revela desprezo pelas massas, própria de uma elite arrogante e anti-povo.
A ex-primeira-dama do Brasil, Rosane collor, disse se referindo à sua lua-de-mel: "vamos passar quinze dias no Egito e depois vamos ao Cairo".
Não tem jeito. Ingênuas, engraçadas, estúpidas, sofisticadas, pensadas as frases estão aí e se engana quem pensa que mesmo as mais tolas não nos dizem nada. Por trás de cada frase está a alma do pensador e, por meio delas, é possível estabelecer, quando pouco, a sutil diferença entre aparência e essência, opinião e saber.
Quando o assunto é educação a regra é entender que o maior bem que uma cidade pode ter é seu povo educado. O educador Anísio Teixeira costumava dizer que "educação é vida no sentido mais autêntico da palavra". Basta lembrar que Anísio Teixeira é considerado o maior idealizador das mudanças que marcaram a educação brasileira no século XX.
Para John Dewey "educação não é preparação para a vida, é a própria vida". O filósofo Comênio chamava as escolas de "oficinas da humanidade". Comênio foi o primeiro teórico a respeitar a inteligência e os sentimentos das crianças. Nomes como o de Comênio, John Dewey, Anísio Teixeira, Paulo Freire mudaram o jeito de pensar e fazer educação.
Mas alguma coisa falhou. Quando ouço dizer que "a educação é o câncer de Campestre" - uma frase crua, absurda, inimaginável, que caminha na contramão de tudo que penso sobre educação - eu me pergunto sobre a inspiração que levou alguém a pensar tal coisa. Terão as escolas deixado de ser "as oficinas da humanidade"? Não. As escolas continuam a aprimorar a vida social, a ajudar na formação moral, a aperfeiçoar a personalidade, a transmitir conhecimentos, a enriquecer o caráter, a libertar. Então o que aconteceu?
O mestre Paulo Freire tinha razão: "não se pode falar de educação sem amor". Luc de Clapiers dizia que "os grandes pensamentos vêm do coração". Só os grandes pensamentos. A inimaginável frase não poderia jamais ter nascido do coração, mas da indiferença. Não digo do ódio. Porque "o oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença" já nos ensinava o poeta.
Não terá sido a indiferença responsável pelo atraso do início do ano letivo? E esta mesma indiferença não terá antecipado em doze dias o seu final? A irregularidade dos transportes escolares não terá sido motivada pela indiferença? E a merenda escolar? Racionada, de qualidade inferior, não terá chegado às escolas pelas mãos da indiferença?
Educação e desenvolvimento são palavras indissociáveis, curioso que ainda haja espaço para a indiferença. E aqui poderíamos acrescentar uma frase final: "Educação nunca foi despesa. Sempre foi investimento com retorno garantido". E com esta certeza nos lançarmos na direção da reflexão, do pensamento, da liberdade, das sugestões da esperança.