O presidente do STF teceu duras críticas aos representantes
do povo e o povo aplaudiu, não viu como uma ameaça às instituições
democráticas, ao contrário, ampliou sua admiração pelo ministro Joaquim
Barbosa. A razão é simples: ele mostrou indignação, exatamente o que sempre tem
faltado na política brasileira.
A reforma política que o Brasil precisa só ocorrerá quando
os brasileiros sentirem indignação com os “partidos de mentirinha” e demais
deficiências do nosso sistema político apontadas pelo ministro Barbosa.
Por séculos convivemos sem indignação com o absurdo da
escravidão, inclusive de antepassados do ministro. A ideia da abolição só
começou a se espalhar quando seus defensores passaram ao povo o sentimento de
indignação moral contra a escravidão. Enquanto os argumentos eram econômicos —
“o trabalho livre é mais inteligente e produtivo” — ou ideológicos (“a
escravidão não é condizente com o espírito da época”), a abolição não era
entendida, nem sentida, não indignava. Quando o discurso passou a ser ético,
apresentando a escravidão como uma vergonha nacional, o assunto passou a
crescer, até prevalecer.
Na Inglaterra, o grande abolicionista William Wilberforce
reconheceu que a ideia da abolição só cresceu quando ele e seus companheiros de
luta saíram do discurso lógico e provocaram indignação popular contra a escravidão.
A abolição foi o resultado da força moral que surgiu da indignação.
Assim também não adiantam apenas argumentos lógicos para
justificar a necessidade da abolição do analfabetismo — a escravidão do século
XXI; é preciso que os brasileiros sintam indignação com o fato de que para
abolir o analfabetismo só precisamos de R$ 1,6 bilhão ao ano, por apenas quatro
anos, de uma renda nacional de R$ 4,5 trilhões, empregando por dez horas
semanais apenas 125 mil dos atuais 1,6 milhão de universitários que estudam com
financiamento público.
Só agiremos quando sentirmos vergonha por não podermos
colocar, em 2014, em frente de cada aeroporto, uma placa dizendo: “Você está
entrando em um território livre do analfabetismo.” Da mesma forma, não basta
dizer e mostrar que o Brasil não tem futuro, na economia ou na sociedade, se
não colocarmos todas nossas crianças em escolas com a mesma máxima qualidade. É
preciso indignar-se com a falta de qualidade e com a desigualdade da educação.
Os argumentos lógicos fracassaram, é a vergonha de não despertar o espírito
nacional para resolver o problema.
Houve um tempo em que precisávamos de consciência, agora
precisamos de raiva e vergonha. Por isso, o presidente do STF é capaz de
enfraquecer a independência dos Três Poderes ao denunciar os partidos, os
congressistas e, portanto, o Congresso Nacional, e mesmo assim ser aplaudido.
Mesmo sendo verdadeiras as declarações, os aplausos não se justificariam do
ponto de vista lógico das instituições democráticas, mas se explicam moralmente:
o povo está com sede de indignação.
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* Artigo publicado pelo senador Ctistovam Buarque (Opinião - O Globo)
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