quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Índio do asfalto (por Joel dos Anjos)

Em período eleitoral é comum (re) aparecerem os “filhos da terra”: os que a abandonaram, os que a esqueceram, os que nada fizeram para merecerem ser chamados de filhos da terra. E aparecem também os que querem ser adotados a todo custo, aqueles que sem laços nenhum, os criam, obviamente para se desfazerem depois sem nenhum constrangimento. De todo modo, ser filho da terra é uma condição especial, um diferencial que parece pesar na hora da escolha.

Eu, por minha vez, pergunto: ah, Campestre, onde estão os teus filhos? Por que razão te abandonaram? Não me refiro apenas àqueles que zarparam e aqui aparecem de quatro em quatro anos tentando arrebanhar as massas, mas principalmente aqueles que permaneceram e são como ausentes, que nos vendem ilusões e nos tornam desiludidos.

O tempo nos ensina que não basta ser filho da terra, mas que é preciso amar a terra; que é preciso, sobretudo, ter a mesma fome e a mesma sede da terra. Aliás, de que tem tido fome e sede os filhos de Campestre? Não me refiro aos filhos distraídos, abandonados e desiludidos, aos que tiveram que deixar o seu chão para tentar a sorte em chão desconhecido, aos que tiveram que abandonar os estudos a um passo do ensino médio por falta de transporte escolar, aos trabalhadores e trabalhadoras com seus salários atrasados, parcelados, vivendo injustamente de pires na mão a mendigar os seus direitos. Não, não me refiro a nenhum desses filhos de Campestre. A fome desses, eu conheço. Da sede desses, eu também padeço, porque compartilhamos o mesmo sonho de prosperidade e justiça. Refiro-me aqueles que com as nossas necessidades constroem não apenas os seus discursos, mas os seus sonhos, suas casas, e enchem suas casas de conforto, e refinam seus gostos, e freqüentam lugares nunca antes imaginados, e comem, e bebem, e se divertem, e se declaram defensores da terra enquanto a terra morre a míngua abandonada e esquecida.

Talvez porque eu seja um índio do asfalto ainda cultive valores como o amor a terra, e seja capaz até de ouvir o seu lamento e sofrer o seu abandono como se fosse a mim mesmo abandonado. Talvez. Mas talvez eu esteja certo: quem sabe o amor a terra não passe mesmo pelo desejo de governá-la, mas se alimente do sonho de bem servi-la.

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