Depois de um homicídio executado por um menor de 18 anos em
São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) enviou ao Congresso um projeto
de lei que amplia a punição para menores que praticarem delitos graves. O
secretário de Segurança Pública do Estado, Fernando Grella, acha isso
necessário “para proteger o cidadão de bem”. Ambos querem alterar o Estatuto da
Criança e do Adolescente, o ECA, um conjunto de normas de proteção aos menores,
com respaldo internacional e da ONU e considerado uma das leis mais avançadas
na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Alckmin e Grella
preferem modificar essa lei a realizar políticas públicas de inclusão de
crianças e adolescentes carentes exigidas pelo mesmo estatuto e que, com
certeza, reduziria em muito os crimes praticados pelos jovens. Pelo
posicionamento do governador de São Paulo e do seu secretário de Segurança, o
“cidadão de bem”, aquele da classe média ou alta, engravatado, totalmente
inserido no nosso contexto social, merece a proteção do Estado, já o menor
abandonado, sem nenhuma condição de viver dignamente e que por isso acaba
caindo na marginalidade, não merece a mesma atenção.
Há também movimentos para reduzir a maioridade penal. Essas
alterações no ECA, se acontecerem, irão atingir principalmente aquele segmento
já excluído que vive à margem da sociedade. A criança e o adolescente de classe
média ou alta, a minoria, tem boa alimentação, uma educação muito melhor do que
a da escola pública, a presença constante de familiares, tem acesso às informações,
à cultura, ao lazer, enfim, à dignidade. Coisas que fazem a diferença e que não
estão presentes em medida aceitável nas classes mais baixas nas quais os pais
estão lutando pela sobrevivência, ou muitas vezes desempregados, às vezes
optando por atividades ilegais, e os seus filhos ficam à deriva nas escolas
públicas ainda deficientes e à mercê de oportunidades lucrativas, porém
espúrias. Esses jovens mais pobres são a maioria e se deparam com uma política
pública quase nula para essa faixa de idade, com poucas exceções. Essa exclusão
fica bem clara com a constatação de que 92% dos municípios brasileiros não têm
cinema, nem teatro, nem museu. Então aonde o jovem vai se expressar, se
manifestar, adquirir cultura e se enturmar de forma saudável?
Se em alguns países a maioridade penal se dá em idade menor
do que a nossa é porque há políticas públicas eficientes, o jovem tem amparo de
fato por parte do Estado. No nosso caso há a previsão na lei, mas não há o
fato. Segundo o Art. 4º do ECA “É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
A questão mais importante não é a idade penal ou a pouca
punição. A proteção dos jovens vítimas do abandono é, reconhecidamente, o
melhor caminho para se evitar a delinquência juvenil. Se houver a redução da
maioridade penal ou alteração nas penas já estabelecidas, estaremos tapando o
sol com a peneira e eximindo a sociedade e o poder público de qualquer culpa. E
a culpa maior é do Estado, que não cumpre a lei. Ninguém seria contra a redução
da idade penal ou o aumento das punições para menores delinquentes se os
governantes tivessem cumprido com as suas obrigações legais, se houvesse
democracia de fato para essas crianças.
A sensação que fica nestas tentativas de modificar uma lei
exemplar é a mesma dos nazistas: se os judeus supostamente atrapalham a
economia, morte aos judeus. Ou como aconteceu no Rio de Janeiro, numa certa
época: os mendigos estão poluindo o visual da cidade, prendam-se os mendigos.
Ou como no massacre do Carandiru: os presos empilhados em condições desumanas
se revoltaram e... Deu no que deu. Massacre. A solução mais fácil, mais burra e
mais cruel.
Chama atenção o argumento de que a criminalidade dos menores
está aumentando gradativamente nos últimos anos. Como se esse aumento fosse uma
mostra da necessidade da redução da maioridade penal. Essa não é uma análise do
fato com a retidão necessária. É claro que a criminalidade do menor está
aumentando, mas é claro também que o motivo é o abandono, que só aumenta.
Preferem investir maciçamente em segurança. Para eles, faz muito sentido.
Realmente, ao se cuidar da infância pobre, de concreto e de
imediato não se ganha nada do ponto de vista material e pouco do ponto de vista
eleitoral. Mas se é esse o objetivo de um político, de um governante, obter
vantagens, que se reduza a maioridade penal e que se aumente a penalização dos
nossos adolescentes. Seria até melhor declarar em alto e bom som: as crianças e
adolescentes que não tem condições de ter uma boa vida, que se lixem!
Pois é o que alguns adolescentes estão fazendo: eles estão
se lixando! O feitiço está virando contra o feiticeiro. Se os “homens de bem”
não fizeram o dever de casa, como exigir que menores esfomeados e desesperados
façam os seus?
_______
*Herson Capri - ator
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