Ele voa até o fundo do salão com a peça de roupa, que diz
ser abençoada, sobre as dezenas de cabeças à sua frente. Como um dominó, todos
caem. As imagens de uma teatralidade pouco crível ganharam a internet. Marcos
virou o “Pastor Sonic”. A comparação com o herói de videogame dos anos 90 está
mais para zombaria do que para fé em seus superpoderes. Mesmo evangélicos
acreditavam que os excessos do pastor Marcos eram o prenúncio do apocalipse de
um líder espiritual cada vez mais vaidoso e isolado.
Antes de angariar o respeito de políticos a chefões do
tráfico — muitos deles se ajoelharam a seus pés — e de transformar os cultos da
Assembleia de Deus dos Últimos Dias num circo místico, ao abater um endemoniado
a “tiros”, um gesto que simula prosaicamente com os dedos, o pastor Marcos
lutou contra os seus próprios demônios. Quando jovem, vivia em noitadas e
prostíbulos. O passado nada cristão era usado como atestado da conversão
radical. Nos anos 80, um amigo o levou a um culto do pastor Silas Malafaia, no
Centro. A história foi contada pelo próprio pastor a Silas, há poucos anos —
“cheguei a dizer a ele que aquele negócio de mulher com roupa comprida, mangão,
não estava na Bíblia, era radicalismo dele”. Silas defende que o pastor Marcos
pague pelos crimes, “se” os cometeu:
— Se ele estuprou mulheres, pau nele. Mas desconhecer o
trabalho que ele fez com presidiários é molecagem. Esse cara, por muito tempo,
colocou a mão onde ninguém queria colocar: no esgoto.
Apesar de ter o seu reduto em São João de Meriti, na
Baixada, o pastor Marcos ficou conhecido em todo o país por ter negociado o fim
de mais de 30 rebeliões. Em 2004, o então secretário de Segurança, Anthony
Garotinho, o chamou para agir num motim em Benfica. Trinta pessoas foram
executadas. Apesar das mortes, ele saiu com a reputação de ter evitado um banho
de sangue ainda maior. A única voz dissonante era a da então deputada Denise
Frossard que, num duro relatório, afirmou que, antes de ele chegar, a polícia
já tinha conseguido a rendição dos amotinados. No mesmo ano, vazou um vídeo em
que o traficante Derico de Acari era visto ao lado do pastor em um culto.
Outros dois traficantes foram encontrados na fazenda da igreja, em Tinguá. O
pastor foi proibido de entrar em presídios. Até então, ele frequentava quase
todas as cadeias do estado, onde chegava em carros de luxo, sempre de terno e
relógio Rolex, para sessões de exorcismo de presos. A amizade com José Júnior,
que o havia aproximado de um público formador de opinião, acabou no ano
passado, quando o líder do AfroReggae o acusou de ser a maior mente criminosa
do Rio e estar por trás de ataques do tráfico em 2006 e 2010.
Família de oito irmãos, casado há 31 anos com Ana Madureira
— que também o teria denunciado por estupro e voltado atrás — e pai de dois
filhos, o pastor Marcos, que já frequentou centros de umbanda, tornou-se um
missionário tão convincente que fez o francês Henri Bueno lhe doar um imóvel na
Av. Atlântica, onde aconteceriam orgias. Henri, que tem uma fábrica em
Bonsucesso, conta que fez a doação porque foi curado de uma asma. Ao ser
perguntado se também foi submetido a exorcismos tão intensos que atiram fiéis
ao chão, Henri, que deve depor novamente, apenas respondeu:
— Não caio fácil. Sou francês.
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Fonte: O Globo
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